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MÓDULO MÁSCARAS​

O CORPO COMO AUSÊNCIA

Juliana Ribeiro da Silva Bevilacqua

Gabrielle Nascimento

 

As máscaras são, sem dúvida, os objetos africanos mais celebrados no Ocidente. Elas ocupam as coleções de muitos museus e são exibidas frequentemente ao redor do mundo. Tamanha exposição não refletiu, no entanto, em uma maior disseminação sobre as noções que os próprios africanos têm sobre a máscara. Talvez isso se deva ao fato de que quando são levados do continente africano, esses objetos passam a ser enquadrados em uma perspectiva ocidental, que tem como foco apenas a parte que vai à cabeça.
 
Produzidas na maioria das vezes para serem dançadas, após serem retiradas de seus contextos, as máscaras geralmente são separadas de seus trajes e de todos os outros elementos que podem acompanhá-las. Em muitos casos, as suas mensagens se perdem, bem como a identidade dos artistas que as produziram. Na África, as máscaras não podem ser totalmente compreendidas sem referência às vestimentas, aos corpos que executam os movimentos, à música e ao público que as acompanham, uma vez que elas são a totalidade desses elementos. O rosto não é o foco isolado das forças cosmogônicas, mas sim o corpo todo caracterizado em vestes especiais. Quase sempre portadas por homens, as máscaras apresentam diversos usos, formas e funções, que variam de acordo com o povo que as produziu. Elas podem estar associadas, por exemplo, aos rituais de fertilidade da terra ou das mulheres; aos ritos funerários e de nascimento; ao controle social e de justiça; às iniciações e também ao entretenimento.
 
Por outro lado, o fascínio provocado pela máscara africana no Ocidente estimulou a criação de um mercado de objetos que sequer foram produzidos para serem cultuados pelas comunidades a que remetem. A fim de corresponder aos desejos e ao imaginário de turistas e colecionadores de fora da África, muitas máscaras chegam a reunir um conjunto de elementos que adulteram a sua antiguidade e a sua vida social. Novas narrativas sobre elas são também comumente criadas tendo como base os anseios e expectativas externas.
 
Nessas criações, o foco está na parte que vai à cabeça, geralmente feita em madeira. O corpo ali é apenas imaginado e lembrado, por exemplo, através dos orifícios presentes na base de algumas máscaras que servem para atar a vestimenta. Essas obras, por outro lado, ganham centralidade na discussão sobre como as relações de interesses que envolvem a África e o Ocidente são construídas, e como novos sentidos atribuídos a um objeto vão sendo negociados e reinventados, à medida que vão ocupando outros espaços. Ao adentrar as instituições museológicas e coleções privadas, as máscaras são pensadas quase que exclusivamente para serem expostas, seja nas paredes, seja no topo de pedestais, seja em vitrines, excluindo a parte que envolve o corpo do mascarado e sua sacralidade. Elas se tornam apenas esculturas.
 
Alguns desses aspectos mencionados podem ser observados nas máscaras exibidas, como é o caso daquela denominada Mukuji, dos punu, que vivem no Gabão. Embora, atualmente, sejam utilizadas para entretenimento, no passado, elas apareciam durante as celebrações fúnebres, quando dançarinos sobre palafitas de até um metro e meio de altura, carregando um chicote e vestindo roupas de ráfia e peles de animais, realizavam movimentos acrobáticos. A máscara em questão tem um rosto em estilo realista, com lábios franzidos, olhos estreitos, sobrancelhas finas e arqueadas, testas com cúpula alta e penteado rígido. Em contexto original, máscaras desse tipo geralmente têm o rosto coberto de pfemba, uma argila branca de uso ritual. Nos dias atuais, entretanto, muitas são feitas incorporando tintas industrializadas no lugar de pigmentos naturais, resultado do dinamismo dessas populações.
 
O povo dan, por sua vez, vive principalmente na Costa do Marfim e na Libéria e é amplamente conhecido pela variedade de máscaras que são essenciais para sua vida cultural e organização social, sendo muito mais do que apenas uma cobertura facial. Elas são a personificação dos espíritos que habitam a floresta e que atuam como juízes durante conflitos, conduzem os ritos de iniciação masculina ou os lideram durante as batalhas. O traje completo da máscara é composto por saia de ráfia e capa de tecido, que cobre completamente o usuário, escondendo o seu corpo. A máscara que vemos aqui, apesar de feminina, é usada exclusivamente por homens, e conta com lábios volumosos, testa alta e protuberante, sobrancelhas elevadas, nariz fino, cor escura e a faixa decorada com fibras naturais que emoldura o rosto ovalado.
 
Quanto à máscara Gueledé, ela é uma das mais populares entre os povos iorubá. Embora vestidas apenas por dançarinos homens, expressam o respeito e a celebração às mulheres, em especial às idosas. Os festivais podem durar dias e contam com várias etapas. Eles têm como objetivo principal agradar e apaziguar os espíritos da “grande mãe” mítica Iyá Nlá e suas discípulas na Terra. Valorizadas pelos trajes, adornos e penteados externos, dotados de conotações sociais e espirituais, elas são usadas no topo da cabeça. Na parte superior da máscara, é comum a presença de esculturas ou cenas relacionadas aos provérbios e ao cotidiano dos iorubá.
 
No continente africano, as máscaras não são objetos sem vida, feitas apenas para serem contempladas, ausentes dos corpos, figurinos e cenários. Elas são, além de um suporte material, tal como estamos acostumados a vê-las, um conceito, uma ideia e um repertório de signos que, em conjunto com outros elementos, representam e invocam visões de mundo, materializando forças invisíveis. Quando são deslocadas e passam a ocupar outros espaços, as máscaras adquirem novos sentidos e significados e nos permitem tecer novas discussões sobre elas, como a aqui apresentada sobre o corpo como ausência.

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